A vocação cristã, entendida como graça e missão, é um chamado da própria Trindade à comunhão: “A iniciativa de Deus põe a pessoa em condições de entrar em comunhão com Ele. Assim, a nossa vocação passa a ser um convite permanente para entrarmos em comunhão com a Trindade.”[1] Decorre, desse dado fundamental, que a reposta a esse chamado será tanto mais fecunda à medida que se dá também a partir de uma experiência de comunhão. A resposta vocacional é, sem dúvidas, pessoal, mas jamais, se pretende-se verdadeira, será isolada, individualista, desconectada, fechada. Assim como professamos a fé na Igreja – “Creio na Igreja” – ou seja, a comunidade eclesial é o lugar da fé, por consequência, a Igreja é o lugar por excelência da vocação.
O Papa Francisco, em sua Mensagem para o 53º Dia Mundial de Oração pelas Vocações, em 2016, nos ajudou a recordar essa dimensão eclesial da vocação, apontando para uma Igreja, Mãe das Vocações: “A chamada de Deus acontece através da mediação comunitária. Deus chama-nos a fazer parte da Igreja e, depois dum certo amadurecimento nela, dá-nos uma vocação específica. O caminho vocacional é feito juntamente com os irmãos e as irmãs que o Senhor nos dá: é uma con-vocação”.[2] Segundo Francisco, “esse dinamismo eclesial da vocação é um antídoto contra a indiferença e o individualismo”.
Ao longo da mensagem, o Papa destaca ainda três movimentos vocacionais, que podem iluminar nossa compreensão sobre a eclesialidade da vocação e a sua importância, sobretudo após uma pandemia que “anemizou” fortemente nossas experiências eclesiais.
“A vocação nasce na Igreja. Desde o despertar duma vocação, é necessário um justo ‘sentido’ de Igreja. Ninguém é chamado exclusivamente para uma determinada região, nem para um grupo ou movimento eclesial, mas para a Igreja e para o mundo.” Compreender o chamado de Deus como fruto de uma experiência eclesial que se abre à universalidade e ao diálogo com o mundo é um primeiro passo para o próprio discernimento vocacional. Minha vocação está ligada, vitalmente, ao seio eclesial, e sem ele não existiria. Essa compreensão tem consequências significativas para a própria construção da cultura vocacional. Poderíamos nos perguntar: sentimo-nos unidos, visceralmente, à Igreja de Jesus, às nossas comunidades eclesiais? Nossas comunidades têm sido fecundas, geradoras de novas vocações?
“A vocação cresce na Igreja. Durante o processo de formação, os candidatos às diversas vocações precisam conhecer cada vez melhor a comunidade eclesial, superando a visão limitada que todos temos inicialmente.” O amadurecimento da vocação é fundamental para a qualidade da resposta. Sem experiências que nos toquem a carne, não é possível crescer vocacionalmente. É o encontro diário, a reunião da pastoral, do conselho, o mutirão da limpeza, a visita missionária, a reza do terço, as novenas, a celebração dos sacramentos e até os desentendimentos… o corpo a corpo que faz a vocação crescer. E aí, no encontro das diferenças, vamos aprendendo que Deus é grande, dispensador de muitos dons e carismas que, colocados a serviço, dignificam e promovem a vida. Qual a estatura da nossa vocação? Nossas comunidades têm sido solo fértil para fazer crescer as sementes por Deus nelas plantadas?
“A vocação é sustentada pela Igreja. Depois do compromisso definitivo, o caminho vocacional na Igreja não termina, mas continua na disponibilidade para o serviço, na perseverança e na formação permanente. Quem consagrou a própria vida ao Senhor está pronto a servir a Igreja onde esta tiver necessidade.” Uma vocação enraizada na experiência eclesial, amadurecida ao longo do tempo, sustenta-se dia a dia nessa dinâmica samaritana, missionária. Vocação é, de fato, graça e missão, é deixar o coração arder e colocar os pés a caminho. Como anda nossa vocação: robusta ou anêmica? E nossas comunidades têm conseguido animar a caminhada vocacional de seus membros?
O Papa Francisco, encaminhando-se para a conclusão da mensagem, diz: “Todos os fiéis são chamados a conscientizar-se do dinamismo eclesial da vocação, para que as comunidades de fé possam tornar-se, a exemplo da Virgem Maria, seio materno que acolhe o dom do Espírito Santo (cf. Lc 1, 35-38)”. E termina convocando-nos: “Peçamos ao Senhor que conceda, a todas as pessoas que estão a realizar um caminho vocacional, uma profunda adesão à Igreja; e que o Espírito Santo reforce, nos Pastores e em todos os fiéis, a comunhão, o discernimento e a paternidade ou maternidade espiritual”.
Seria muita pretensão nossa, desde essa compreensão da eclesialidade da vocação, afirmar que “Fora da Igreja não há vocação!”? Certos de que mais importantes que as afirmações, são as perguntas, podemos até afirmar “Fora da Igreja não há vocação!”. Mas imediatamente devemos nos perguntar: Que vocação? Que Igreja? Temos ainda muito chão a percorrer… isso é Graça… Missão… Vocação!
[1] OLIVEIRA, José Lisboa Moreira de. Teologia da vocação: temas fundamentais. São Paulo: Edições Loyola, 1999, p. 33.
[2] PAPA FRANCISCO. Mensagem para o 53º Dia Mundial de Oração pelas Vocações. Cidade do Vaticano: 29 nov. 2015. Disponível em: <https://www.vatican.va/content/francesco/pt/messages/vocations/documents/papa-francesco_20151129_53-messaggio-giornata-mondiale-vocazioni.html>. Acesso em: 21 jan. 2022.
* Frei Tailer Douglas Ferreira, OSA é religioso presbítero da Ordem de Santo Agostinho – Província Nossa Senhora da Consolação do Brasil, membro do SAV CRB Nacional e da Comissão de Comunicação do 3º Ano Vocacional do Brasil