Celia Soares de Sousa
(Assessora da Comissão Episcopal para o Laicato da CNBB)
Você já parou para pensar quem foi a pessoa que lhe ensinou a rezar? Que fez o primeiro anúncio de Jesus Cristo? Que levou ou apresentou à comunidade eclesial?
Certamente, enche-nos de alegria o coração quando fazemos memória deste importante acontecimento na nossa vida. Sobre a alegria do discípulo, resgatamos o que comentou o Documento de Aparecida (2007). Esse conceito é imprescindível para nossa reflexão.
A alegria do discípulo é antídoto frente a um mundo atemorizado pelo futuro e agoniado pela violência e pelo ódio. A alegria do discípulo não é um sentimento de bem-estar egoísta, mas uma certeza que brota da fé, que serena o coração e capacita para anunciar a boa-nova do amor de Deus. Conhecer a Jesus é o melhor presente que qualquer pessoa pode receber; tê-lo encontrado foi o melhor que ocorreu em nossas vidas, e fazê-lo conhecido com nossa palavra e obras é nossa alegria (DAp, 32).
O apóstolo Paulo menciona em uma de suas cartas a necessidade da maturidade da fé: “Quando eu era criança, falava como criança, pensava como criança, raciocinava como criança. Depois que me tornei adulto, deixei o que era próprio de criança” (1 Cor 13,11). O mesmo acontece conosco, quando somos convidados a refletir sobre a importância da nossa vocação. “O cristão, sujeito na Igreja e no mundo, é discípulo missionário, seguidor e testemunha de Jesus Cristo” (CNBB 105, 132).
Como cristãos, cremos que “há um só corpo e um só Espírito, assim como a vocação de vocês os chamou a uma só esperança: há um só Senhor, uma só fé, um só batismo” (Ef 4,4-5). Um só é o Senhor e o Batismo. No entanto, há diversas maneiras de responder ao convite de Jesus: como cristãos leigos e leigas, na vida consagrada religiosa e como ministros ordenados.
A imagem da Igreja que surge do Concílio Ecumênico Vaticano II é profundamente marcada pela ministerialidade. Os fiéis são chamados a participar ativamente na vida e na missão da Igreja, na riqueza e na diversidade dos dons concedidos pelo Espírito Santo. Logo, aos cristãos leigos e às cristãs leigas também é reservado o sacerdócio comum dos fiéis, sem exercer o ministério da Ordem, e pela dignidade de batizados a Igreja deve confiar a eles os ministérios leigos.
A beleza da vocação laical
O convite ao seguimento de Jesus acontece na vida em comunidade, na escuta e no despertar da Palavra a partir da cooperação dos cristãos leigos e leigas nos diversos serviços e ministérios.
Somos todas e todos peregrinos da Esperança. Respaldamos nossa fé em Cristo Jesus, mesmo diante de tantas tempestades e desafios – no campo pessoal, eclesial e social. “As tempestades nunca poderão prevalecer, porque estamos ancorados na esperança da graça, capaz de nos fazer viver em Cristo, superando o pecado, o medo e a morte. Esta esperança, muito maior do que as satisfações cotidianas e as melhorias nas condições de vida, transporta-nos para além das provações e exorta-nos a caminhar sem perder de vista a grandeza da meta a que somos chamados: o Céu” (Spes non confundit, 25).
Parece que estamos vivendo na era da distração e da ansiedade. Com o avanço da tecnologia e da conectividade, muitas pessoas reclamam da dificuldade de voltar ao necessário encontro pessoal com Cristo. Por vezes, a fé para no ativismo e na busca de resultados rápidos.
Como precisamos silenciar para ouvir aquela voz que aquece o nosso coração. A quem ouvimos? A que somos chamadas/os?
Francisco destaca o clericalismo, um dos males para a Igreja. Para o pontífice, o clericalismo anula a personalidade dos cristãos diminuindo a graça batismal. Por outro lado, pode gerar uma espécie de “elite laical”. Dessa forma, os leigos engajados são somente aqueles que trabalham em coisa de padre. Cristão leigo e leiga, por seu batismo, é Igreja, tem autonomia e corresponsabilidade como fruto da sua ação na Igreja e no mundo.
O que é vocação
Na raiz da palavra “vocação” está vox, vocis, voz. Na Sagrada Escritura, um dos mais belos relatos da comunidade cristã está no texto conhecido como Discípulos de Emaús (Lc 24,13-48). O ressuscitado caminha com os discípulos e se põe a explicar as Escrituras. A comunidade, representada por estes discípulos, é chamada a ouvir a voz de Jesus, vivo no meio deles. Sente o desejo de que permaneça com eles. O Ressuscitado envia a comunidade em missão.
Ouvir a voz e o chamado de Jesus é um “acordar” para toda a comunidade dos seguidores/as de Jesus. Alegrar-se com Sua presença amorosa que acolhe, ensina, ama e envia é sinal de compromisso e discernimento dos cristãos.
O que é cristão leigo e leiga
No senso comum, a expressão leigo/leiga ainda é muito utilizada como aquele/a que revela ignorância ou pouca familiaridade com determinado assunto, profissão…ou é desconhecedor, inexperiente.
O Concílio Vaticano II esclarece que os leigos são cristãos e, portanto, participam da missão da Igreja. Os cristãos leigos e leigas são convidados a evidenciar sua missão no mundo. Sua vocação é a de procurar o Reino de Deus exercendo ações do cotidiano, oferecendo-as a Deus, como fermento, para colaborar com a santificação do mundo (CNBB 62, 99).
Cristãos leigos e leigas: sujeitos eclesiais
Jesus Cristo é, sem dúvida, o grande modelo na vivência da vocação. Todos devem viver sua santidade como resposta ao dom de Deus na vida de cada pessoa.
Com entusiasmo e compromisso, os cristãos leigos e leigas assumem o seu Batismo, e como sujeitos eclesiais (CNBB 105, 119-121) buscam compreender a sua própria vocação e missão atuando nas diversas realidades em que se encontram (CNBB 105, 250-273). Ver o capítulo 6 desse documento intitulado Ação dos cristãos leigos e leigas nos areópagos modernos.
A partir da sua vocação específica, os cristãos leigos e leigas vivem o seguimento de Jesus na família, na comunidade eclesial, no trabalho profissional, na participação social, colaborando para a construção de uma sociedade mais justa, solidária e de paz, como sinal do Reino de Deus inaugurado por Jesus de Nazaré. A esse respeito o documento 105 Cristãos Leigos e Leigas na Igreja e na Sociedade – Sal da Terra e Luz do Mundo (Mt 5,13-14) apresenta o seguinte.
“Os cristãos leigos e leigas que vivem sua fé no cotidiano, nos trabalhos de cada dia, nas tarefas mais humildes, no voluntariado, cuja vida está escondida em Cristo, são o perfume de Cristo, o fermento do Reino, a glória do Evangelho. Eles se santificam nos altares de seu trabalho: a vassoura, o martelo, o volante, o bisturi, a enxada, o fogão, o computador, o trator. Constroem oficinas de trabalho e oficinas de oração” (CNBB 105, 35).
Consciência do chamado: identidade, espiritualidade e missão
Tomar consciência e assumir nossa identidade de filhas e filhos de Deus nos traz alegria, mas também um compromisso de dar a nossa contribuição na História da Salvação. Deus nos chama a viver a santidade no hoje da nossa história. Por isso, é preciso “não deixar morrer a profecia” (Dom Helder Câmara).
Maria, a Senhora Aparecida, discípula missionária de Jesus Cristo, Mãe e profeta de Deus, é modelo para todos os cristãos. Alicerçados na esperança, encontramos, na Mãe de Deus, a sua testemunha mais fiel. No seu Magnificat, os cristãos deparam com a espiritualidade de Maria. “Se o Magnificat exprime a espiritualidade de Maria, nada melhor do que essa espiritualidade nos pode ajudar a viver o mistério eucarístico. Recebemos o dom da Eucaristia, para que a nossa vida, à semelhança de Maria, seja toda ela um magnificat”! (João Paulo II, 2003).
O seguimento a Jesus e a escuta da Sua Palavra alimenta a vocação e a missão dos cristãos e cristãs. Sem intimidade com a Palavra de Deus não pode haver uma espiritualidade fecunda e encarnada, ou seja, a espiritualidade de comunhão. Para o Papa Francisco, “Jesus quer evangelizadores que anunciem a Boa-Nova, não só com palavras, mas, sobretudo, com uma vida transfigurada pela presença de Deus” (EG, 259).
As motivações de Francisco são verdadeiras inspirações para todos os cristãos, especialmente para os cristãos leigos e leigas.
“Evangelizadores com espírito quer dizer evangelizadores que rezam e trabalham. Do ponto de vista da evangelização, não servem as propostas místicas desprovidas de um vigoroso compromisso social e missionário, nem os discursos e ações sociais e pastorais sem uma espiritualidade que transforme o coração. Estas propostas parciais e desagregadoras alcançam só pequenos grupos e não têm força de ampla penetração, porque mutilam o Evangelho. É preciso cultivar sempre um espaço interior que dê sentido cristão ao compromisso e à atividade. Sem momentos prolongados de adoração, de encontro orante com a Palavra, de diálogo sincero com o Senhor, as tarefas facilmente se esvaziam de significado, quebrantamo-nos com o cansaço e as dificuldades, e o ardor apaga-se. A Igreja não pode dispensar o pulmão da oração, e alegra-me imenso que se multipliquem, em todas as instituições eclesiais, os grupos de oração, de intercessão, de leitura orante da Palavra, as adorações perpétuas da Eucaristia. Ao mesmo tempo, “há que rejeitar a tentação de uma espiritualidade intimista e individualista, que dificilmente se coaduna com as exigências da caridade, com a lógica da encarnação”. Há o risco de que alguns momentos de oração se tornem uma desculpa para evitar que se dedique a vida à missão, porque a privatização do estilo de vida pode levar os cristãos a refugiarem-se em alguma falsa espiritualidade” (EG, 262).
Permanecer unidos ao Pai como Jesus é a raiz que nos sustenta nas tempestades da vida, nas crises existenciais e na missão. Aceitar o convite e Jesus e permanecer com Ele ilumina a nossa vocação e nos fortalece para vencer “a tentação de ser cristãos, mantendo prudente distância das chagas do Senhor” (EG, 270). Francisco afirma que “Jesus, no entanto, quer que toquemos a miséria humana, que toquemos a carne sofredora dos outros” (EG, 270).
Em preparação ao Jubileu 2025, Peregrinos da Esperança, o papa convoca a Igreja a descobrir sinais de esperança que o Senhor oferece: sinais de esperança se traduzam em paz; sinais de esperança na abertura à vida, maternidade e paternidade responsáveis; sinais de esperança para aqueles privados de liberdade; sinais de esperança oferecida aos doentes; sinais de esperança aos jovens; sinais de esperança em relação aos migrantes; sinais de esperança merecem os idosos (Spes non confundit, 7-14).
A vocação cristã nos conduz ao compromisso com a construção de uma sociedade justa e fraterna, em comunhão com a Igreja. Francisco conclamou os cristãos a escutar o clamor por justiça no mundo atual: por uma nova economia, que coloquem a política e a economia em diálogo para a plenitude humana (LS, 189-190).
Diante da crise climática provocada por ações humanas, o papa apela a todos os cristãos e às pessoas de boa vontade para o cuidado com a Casa Comum, e para acabar com a atitude irresponsável que apresenta a questão apenas como ambiental, “verde”, romântica, muitas vezes ridicularizada por interesses econômicos. Acrescenta que este é um “problema humano e social em sentido amplo e em diversos níveis. Por isso, requer-se o envolvimento de todos” (LD, 58).
Portanto, é preciso tomar consciência de que ser cristão leigo e leiga é uma vocação, é chamado de Deus; é dom e graça. Aos cristãos leigos e leigas cabe reconhecer a sua vocação; é ouvir com o coração a voz de Jesus, arriscar-se e entrar em seu dinamismo. Abandonar a autorreferencialidade e ter a coragem de “sair” em missão para as periferias existenciais, geográficas e sociais. A Igreja e o mundo precisam de sujeitos não autorreferenciais.
Rezemos a Oração Jubilar do CNLB 50 anos: Senhor Deus, somos teu povo eleito, marcado pelo Batismo e vocacionado a construir a Civilização do Amor, anunciando o teu Reino de justiça, fraternidade e paz! Vivemos um tempo de graça: são 50 anos de caminhada do Conselho Nacional do Laicato do Brasil. Agradecemos tantas vidas doadas na construção desta história e pedimos que reinflame continuamente em nós o ardor primeiro. “Profecia, Testemunho e Memória a Serviço do Reino”! (2x) Guia-nos nos passos de Jesus, dá-nos coragem de ir às periferias geográficas e existenciais, levando esperança e consolo aos sofredores, transformando a sociedade, nossa missão privilegiada. “Trabalhamos e lutamos porque depositamos nossa esperança no Deus vivo”! (2x) Teu Espírito, que sustentou os mártires a doarem suas vidas pela Vida, anime nossa missão de organizar o laicato no Brasil, comprometidos com o caminho sinodal da Igreja, sob o olhar amoroso da Senhora Aparecida. Por Jesus Cristo, nosso companheiro e irmão, amém.
Fonte: Documento de Aparecida, CELAM; Documento 105 da CNBB; Evangelii Gaudium e Laudate Deum do Papa Francisco; texto-base do 3º Ano Vocacional 2023