Vive-se na sociedade uma mudança de época, e não apenas uma época de mudanças. Na história da humanidade, é consenso que houve poucas mudanças de época. Mudança de época supõe mudança de paradigma, pois, segundo Leonardo Boff (2005, p. 27-28):
[…] está nascendo um novo tipo de percepção da realidade, com novos valores, novos sonhos, nova forma de organizar arquitetonicamente os conhecimentos, novo tipo de relação social, nova forma de dialogar com a natureza, novo modo de experimentar a última realidade e nova maneira de entendermo-nos a nós mesmos e de definir nosso lugar no conjunto dos seres.
E a Igreja, como toda instituição humana e terrena, também necessita de uma constante conversão. As coisas não podem ficar como estão, algumas estruturas estão obsoletas e não respondem mais aos desafios do mundo contemporâneo, desse modo é preciso “abandonar as ultrapassadas estruturas que já não favoreçam a transmissão da fé” (DAp, n. 365). É preciso ser uma Igreja em saída. É preciso ir além da mera administração e das pastorais de conservação, é preciso garantir aos seminaristas, como afirmaram os bispos do Brasil, “uma formação pastoral-missionária como princípio unificador de todo o processo formativo” (1), porque as ações pastorais estão intimamente ligadas ao anúncio da Boa-Nova.
Por essa razão, mais do que discursos abstratos, mais do que falas bonitas e bem elaboradas, para anunciar o evangelho precisa-se mostrar o testemunho, e esse testemunho parte primeiro dos presbíteros, pois “o testemunho dos presbíteros, tem sido, ao longo dos tempos, uma das fontes mais fecundas das novas vocações para a Igreja” (doc. 93, CNBB). Já que cabe a eles fomentar “o fervor missionário entre os jovens, de maneira a saírem dentre eles futuros arautos do Evangelho”. (2)
É através do testemunho missionário que mais jovens se encantam pela missão, e os sacerdotes, que são missionários há mais tempo, devem dar esse encorajamento missionário aos mais moços, pois as experiências missionárias são:
Uma escola para a formação presbiteral, porque ajudam a formar pastores de acordo com o coração de Jesus Cristo. Foi a experiência missionária que mudou a minha forma de ver a Igreja e minha visão referente ao Ser padre. Até então, de forma limitada e até distorcida, eu via o serviço presbiteral como uma forma de se promover e crescer. […] ao retornar dos quarenta dias da experiência missionária, quando visitei comunidades e famílias na periferia da cidade, senti e percebi que a Igreja, à qual eu serviria como padre, precisava ser diferente daquela cuja imagem eu ainda tinha. […] uma experiência missionária assim muda a vida de qualquer pessoa, como mudou a minha. Meus medos foram superados. Ao mesmo tempo, entendi que os medos são vencidos quando o coração está aberto à vontade de Deus. A experiência missionária me levou a experimentar o amor de Deus nas pessoas. E, para isso, é necessário estar aberto ao que Deus quer de nós, às surpresas da vida, e deixar-se converter completa e diariamente. (3)
E aos jovens que, ao ouvirem o testemunho dos missionários-presbíteros, se deixam interpelar pela palavra de Cristo:
a eles dirigida hoje, como então foi dita a Simão Pedro e a André na margem do lago: ‘Vinde após Mim, e Eu farei de vós pescadores de homens (Mt 4, 19)’; que eles tenham a coragem de responder como Isaías: ‘Eis-me, Senhor, estou pronto! Enviai-me! (cf. Is 6, 8)’. Esses jovens encontrarão à sua frente uma vida fascinante, e conhecerão a alegria profunda de anunciar a Boa-Nova aos irmãos e irmãs que orientarão pelo caminho da salvação. (Redemptoris Missio, 79)
Esse encontro extranatural com Cristo faz com que o jovem missionário, candidato ao presbiterado, tenha sua vida inteiramente transformada e seja levado a transmiti-Lo a outras pessoas:
Fui enviado a Minas Novas, localizada no Vale do Jequitinhonha, conhecida pelo que dizem ser uma região muito pobre, de pessoas muito simples e marcadas pelo sofrimento e falta de esperança. […] O Vale do Jequitinhonha abriga uma arte de resistência, que expressa a resistência de um povo que, mesmo esquecido, sofrido e cansado, consegue manifestar o rosto de Cristo a todas as pessoas que encontra pelo caminho. De fato, essa capacidade de se superar e de se reinventar marcou minha experiência missionária. […] não existem palavras para descrever quão grande e motivadora foi a experiência missionária em Minas Novas. Não há expressões suficientes para descrever os encontros, gestos, aprendizados, diálogos e as dificuldades pelo caminho também superadas. Posso dizer que realmente me voltei ao Espírito Santo, a conhecer mais de perto o verdadeiro sentido de ser Igreja em saída. Isso tudo motiva minha caminhada vocacional, desperta para o encontro com o irmão que reflete o rosto de Jesus, mesmo nas ‘grotas da vida’. Por isso, digo com certeza: ‘Vale a pena ser missionário!’ (4)
Desse modo, o encontro com Jesus Cristo na pessoa do outro (nos pobres, nos que vivem à margem da sociedade, na partilha dos sofrimentos de tantas pessoas que são injustiçadas e padecem por dificuldades) e o contato com realidades culturais diferentes são uma arguição única na vida do seminarista, visto que a “experiência missionária vivida em contextos socioculturais diferentes do seu favorece o seu crescimento humano, social e espiritual” (5), sucedendo a ele adquirir um autêntico espírito missionário, criativo e aberto à missão universal, tudo isso faz com que ele cresça na dimensão humana e se torne uma pessoa capaz de sentir compaixão pelo outro, de criar meios de mudar a realidade, e ainda mais, fá-lo sensibilizar os outros formandos nos seminários e casas de formação religiosa a fazerem o mesmo.
1 – Cf. CNBB, Diretrizes para a formação dos Presbíteros da Igreja no Brasil, n. 300
2 – DECRETO AD GENTES, n. 39
3 – Testemunho do Padre Rubinei Coelho, da Arquidiocese de Santarém/PA, publicado na revista Serviço de Informação Missionária (POM), Brasília, ano 50, n. 2, págs. 10–11, 2022.
4 – Testemunho do seminarista Raone de Souza Barglini, seminarista da Diocese de Cachoeiro do Itapemirim/ES, publicado na revista Serviço de Informação Missionária (POM), Brasília, ano 50, n. 2, págs. 12–14, 2022.
5 – WHYTE, James A. (1987, pág. 213)