Dom João Francisco Salm
(Bispo da Diocese de Novo Hamburgo e ex-presidente da CMOVIC)
Já se passaram cinco anos desde quando, no dia 13 de abril de 2021, a 58ª Assembleia Geral da CNBB aprovou, por unanimidade, a realização do Ano Vocacional de 2023. Os preparativos iniciaram imediatamente. Eram tempos de pandemia (COVID19) e as reuniões se faziam on-line. Foram convidados representantes das Comissões da CNBB e de outras Forças Vivas da Igreja. Houve ampla e pronta adesão com entusiasmo geral. Definiram-se as responsabilidades e se constituíram as comissões de trabalho.
As reflexões que se seguiram – é oportuno recordá-las – levaram à compreensão de que, de acordo com passos dados ao longo do caminho já percorrido, o Ano Vocacional deveria tratar da vocação no seu sentido mais profundo e mais amplo (abrangente), pessoal e comunitário. Ficou claro que se deveriam promover as mais diversas vocações na Igreja por sermos um povo de vocacionados e vocacionadas. Deveria ser superada, também, tanto uma visão reducionista (excludente, de privilégio e clericalista) de vocação, como uma generalização ambígua que não impacta o indivíduo a quem, na verdade, “Deus chama pelo nome”. Vocação pessoal e Igreja (como comunidade de vocacionados e vocacionadas) são inseparáveis.
O Documento Final do Sínodo dos Bispos sobre “Os jovens, a fé e o discernimento vocacional”, trouxe uma reflexão sobre a busca da vocação, a vocação como descoberta, graça e liberdade. Trata da vocação de seguir Jesus, da vocação e missão da Igreja, da variedade de carismas e das diversas vocações. Reflete também sobre a cultura vocacional.
Para a escolha do “tema”, muitas sugestões foram enviadas à Comissão Central. Traziam um anseio muito intenso de que se tivesse em conta a necessidade de uma Igreja mais unida (sinodal), mais missionária, mais servidora e mais próxima das pessoas.
Diante de tudo isso, chegou-se ao tema “Vocação: Graça e Missão” e ao lema “Corações ardentes, pés a caminho” (cf. Lc 24,32-33).
A escolha deste tema se fundamenta na afirmação de que “a vocação aparece realmente como um dom de graça e de aliança, como o mais belo e precioso segredo de nossa liberdade” (cf. Doc. Final do Sínodo sobre os jovens, n. 78). E o texto iluminador “Jesus chamou e enviou os que ele mesmo quis” (cf. Mc 3, 13-19) mostra que a origem, o centro e a meta de toda vocação e missão é a pessoa de Jesus Cristo. À luz do mistério de Cristo, cada pessoa compreende a sua identidade e missão; também é à luz de Cristo que a Igreja encontra a sua vocação e missão. O mesmo Jesus que chama é o mesmo Jesus que envia. Vocação é graça, pois o Senhor chama “os que ele mesmo quis”, isto é, aqueles que ele tem no coração.
Ficou claro que se faz necessária uma verdadeira catequese vocacional, objetiva e clara: nada poderá ser dado por suposto: informar, instruir, tirar dúvidas, explicar e encantar. É necessário também aceitar o desafio de promover uma “Espiritualidade Vocacional”: vocação é iniciativa de Deus, é mistério, é graça, é experiência de encontro com Jesus, é fascínio e alegria, é assombro, é sensibilidade ao apelo para superar a indiferença, é inconformidade, é resposta pessoal, é envolvimento comunitário, é missão, é tarefa, é serviço, é disposição para o sacrifício, é entrega da vida, é coragem e determinação, é esperança e convicção firme, é testemunho de fé: é “espiritualidade” como a que moveu o próprio Jesus e marcou sua personalidade, imprimindo-lhe caráter e identidade.
O lema fala do coração e dos pés. Recorda os discípulos de Emaús. O coração que arde ao escutar a Palavra do Ressuscitado e os pés que se colocam a caminho para anunciar o encontro com Ele.
Uma vez que “sem consciência vocacional, a Igreja não terá o vigor missionário que ela precisa ter” (Dom Walmor O. de Azevedo), o Ano Vocacional se apresentava como um tempo oportuno: uma ajuda a cada pessoa para acolher o chamado de Jesus como graça; também como um tempo favorável para que mais e mais corações ardessem e os pés se colocassem a caminho, em saída missionária.
A “Oração do Ano Vocacional” contempla as três Pessoas Divinas e se dirige de modo especial a Jesus Cristo, já que é a partir do encontro com Ele que se dá o encantamento vocacional; e é a partir desse mesmo encontro que também os corações ardem e os pés se põem a caminho. A missão urge e os trabalhadores são poucos, é verdade. Antes, porém, o “chamado” inclui a consciência de que Deus nos quis filhos e filhas na vivência do Amor Trinitário. Esse “chamado” não se esgota num momento: permanece no tempo (é chamamento) e, por isso, a resposta também há de continuar sendo dada momento por momento, pela vida a fora. Os nomes das vocações específicas são citadas para que sejam recordadas sempre e para que tenhamos claro o que estamos pedindo ao Senhor. Maria, Mãe e Modelo de vocação é também nossa intercessora.
O Hino traz as palavras mais impactantes do texto de inspiração baseado nessas reflexões. Os autores conseguiram transmitir poeticamente todo o conteúdo que se quis explorar no Ano Vocacional e sintetizaram o que refletimos em vários momentos.
Um destaque especial merece a bela Mensagem do Papa Francisco para o 60º Dia Mundial de Oração pelas Vocações. Ao lhe ser feito o pedido para que se servisse do Tema do nosso Ano Vocacional, atendeu prontamente. Abordou temas como: “Escolhidos antes da criação do mundo”; “Eu sou uma missão nesta terra”; “Chamados juntos: convocados – a Igreja é uma sinfonia vocacional”; “Graça e missão: dom e tarefa”.
O Objetivo colocado no horizonte de todas as atividades era Promover a cultura vocacional nas comunidades eclesiais, nas famílias e na sociedade, para que fossem ambientes favoráveis ao despertar de todas as vocações, como graça e missão, a serviço do Reino de Deus.
O texto-base e os outros subsídios que foram sendo produzidos favoreceram momentos de estudo, de catequese, de oração e de planejamento de atividades vocacionais relativas aos objetivos do Ano Vocacional. Nas Dioceses, salvo algumas exceções, as propostas do Ano Vocacional foram acolhidas e bastante dinamizadas.
Tivemos, assim, um ano cheio de oportunidades e de iniciativas para formação, oração e encontros diversos.
Todo o processo de planejamento e execução deste Ano Vocacional foi uma experiência de verdadeira sinodalidade: houve muita e ampla escuta com o desejo de discernir o que Deus estava querendo da Igreja no Brasil naquele momento, todas as vocações – cada uma com sua identidade própria – foram igualmente valorizadas; as reflexões sempre levavam em conta a Igreja Comunhão, Participação e Missão.
O engajamento, a vitalidade, as iniciativas e o entusiasmo que continuam de forma consistente demonstram que o caminho percorrido pela Pastoral Vocacional no Brasil está certo, mas sem espaço para a acomodação. O dinamismo deve crescer como manifestação da consciência do nosso discipulado missionário.