Todos nós já ouvimos falar que o ser humano é um ser vocacional, isso se traduz pela sua característica de ‘ser em busca’, ‘ser em construção’, um ser que renasce a cada despertar para uma realidade que o leva à construção e reconstrução num processo contínuo de crescimento e evolução.
Esse processo de construção e crescimento somente é possível quando dentro do ser humano existe uma abertura constitutiva, “que é exatamente a sua dimensão relacional: consigo mesmo, com o mundo, com outros e com Deus”[1]. Ou seja, a construção total do ser humano não é realizada de maneira isolada, afastada do mundo ou das pessoas. Nesse sentido então, a constituição e construção da pessoa humana se dá em um processo de integração que inclui diferentes dimensões. Uma dessas dimensões é a religiosa que, inerente ao coração humano, é um anseio profundo do ser humano em busca do transcendente ao qual deseja se entregar de forma absoluta, na iminência de obter respostas às suas angústias e perguntas.
Essa dimensão religiosa é que constitui a essência vocacional do ser humano e que está constantemente ligada a uma missão. Assim, afirmar que o ser humano é um ser vocacional é apresentá-lo como sendo um ser relacional, constantemente em diálogo com o divino e o humano para a realização de uma missão específica que dá sentido à vida.
A Igreja define a vocação como Chamado e Resposta, “Um chamado constante, permanente […] desperta a sensibilidade para ouvir e responder […] evitando que seja algo apenas teórico ou restrito ao âmbito do discurso”[2]. É um processo que exige discernimento para descobrir e estruturar a sua identidade. Por essa razão é que a Igreja, através da Constituição Pastoral Gaudium et Spes, entende que o ser humano está constantemente a caminho em vista de descobrir sua vocação. Nesse discernimento, somos chamados a escolher entre as diferentes formas de vida, uma em que possamos responder ao chamado recebido.
Das diversas formas que temos para corresponder e responder ao chamado e missão de Deus, há a vida celibatária por causa do Reino de Deus que tem uma longa tradição dentro da Igreja, partindo dos tempos apostólicos, o surgimento das virgens consagradas nas primitivas comunidades cristãs, a vida eremítica e monástica, as ordens mendicantes, as congregações e chegamos aos Institutos Seculares, como uma nova forma de viver a consagração a Deus através de um chamado especial.
A vocação à vida consagrada secular ou vocação à secularidade consagrada é a escolha de viver o seu chamado no mundo tendo Cristo e seu Evangelho como centro. Em outras palavras, o consagrado secular vê e sente que “o mundo tem uma sede de justiça, diálogo, participação, solidariedade, paz e amor; necessita de pessoas capazes de se arriscarem por esses valores e de se consumirem pelos outros; que a vida centrada em Cristo e totalmente entregue a ele, mediante os conselhos evangélicos, permite responder melhor às necessidades do mundo e compartilhar a vida com os outros, mais radicalmente, a cada dia e com a máxima responsabilidade”[3].
Como consagrado secular, o ser humano é chamado, no seu próprio ambiente de vida e trabalho, a criar modalidades concretas de evangelização, colocando-se em relação constante com o mundo e apresentando a este o Evangelho de Cristo. O consagrado secular não é tirado do mundo para se santificar, mas é chamado a buscar a santidade estando no mundo e conduzir seus semelhantes nesse caminho. “Sua tarefa primária consiste em pôr em prática todas as possibilidades cristãs e evangélicas, ocultas, sim, mas presentes e operantes nas realidades do mundo. O campo próprio de sua atividade evangelizadora é o vasto e complicado mundo da política, da realidade social, da economia, das ciências e das artes, da vida internacional, dos instrumentos de comunicação social” (Paulo VI).
Uma característica dos institutos seculares e que orienta a forma como atua o consagrado secular é o surgimento desse estilo de vida “em situações adversas e conflitantes, correspondendo ao processo de secularização da cultura”[4]. Por essa razão mesmo, os institutos seculares são chamados a “levar autenticamente, em todo o tempo e em todo o lugar, a vida de perfeição e abraçá-la em certos lugares em que a vida religiosa canônica é impossível ou pouco adaptada; recristianizar, intensamente, as famílias, as profissões, a sociedade, graças ao contato imediato e cotidiano duma vida perfeita e totalmente consagrada à santificação, exercendo o apostolado sob múltiplas formas”[5]. Ou seja, o consagrado secular vive a autenticidade de sua consagração através do exercício do apostolado na profissão, onde busca praticar e viver as virtudes dos conselhos evangélicos no mundo. A consagração secular é o meio mais eficaz que temos para encontrar Cristo e encarná-lo na cultura contemporânea. Pois o consagrado secular, por viver imerso nas realidades terrenas, se encontra cotidianamente com os diversos tipos de cultura de nossa sociedade e busca, não os transformar, mas, de dentro, apresentar a Boa-Nova de Jesus Cristo que veio para nos apontar como reescrever a história através do amor. Nesse sentido, o consagrado secular é alguém que deseja estar “todo inteiro” dentro do mundo, abre-se para a busca de sentido e permite que haja espaço de conversão em todos os corações. Ele vive “o entrelaçar-se das realidades infelizes, misérias e experiências negativas, e as esperanças de liberdade, salvação e felicidade humana. Toma com seriedade o ‘humano’ como lugar no qual busca e encontra Deus e o homem; desenvolve solidariedades cada vez mais estreitas que irmanam e suscitam confrontações, projetos e intercâmbios que condizem com a humanização e plenitude do homem; compromete-se com a salvação total: corporal e espiritual, mundana e ultramundana, temporal e eterna. Vive a continuidade entre ‘de onde vem’ e o ‘para onde vai’, entre a memória e a imaginação, entre o patrimônio de verdades acumulado pelos antepassados e as esperanças que vão ao encontro do futuro, a fim de construir morada mais adequada para a verdade e para a liberdade”[6].
A consagração secular, diante do cenário atual da globalização, se apresenta como uma vocação do nosso tempo em que se faz urgente uma abertura e comprometimento, buscando trazer para nossas culturas elementos que possam garantir a construção de uma sociedade que caminha de acordo com a verdade, a realidade, a liberdade, a justiça, a paz e o amor. Fidelidade e esperança, dois grandes dons que Deus, manifestado em Cristo, concede aos homens como meta a perseguir e viver. Essa constitui a beleza da consagração secular, que encontra dentro da sociedade um terreno propício.
Missionário Louis Edoa, MIPK
Missionário da Imaculada Pe. Kolbe
Mestre e doutorando em Comunicação Social. Pesquisa tema como vulnerabilidade social, Territórios de vulnerabilidade, Mudanças climáticas; Prevenção e mitigação de Desastres ligados às mudanças climáticas.
[1] Comissão Episcopal Pastoral para os Ministérios Ordenados e a Vida Consagrada / 3° Ano Vocacional do Brasil – Vocação: Graça e Missão – Texto Base. Brasília: CNBB, 2022, p. 75.
[2] Idem.
[3] Luciano Cian. Institutos de vida secular consagrada: fermento na massa do mundo. In. https://www.paulinos.org.br/home/artigos/institutos-de-vida-secular-consagrada-fermento-na-massa-do-mundo/ Acessado em: 18 abr. 2023.
[4] Moema Muricy. Institutos Seculares, uma nova forma de ser igreja, hoje. Porto Alegre, 2008, p.31.
[5] Pio XII. Provida Mater Ecclesia, n. 10.
[6] Luciano Cian, Idem.